Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

POEMAS E RECADOS

poemas e textos editados e inéditos de JOÃO LUÍS DIAS

POEMAS E RECADOS

poemas e textos editados e inéditos de JOÃO LUÍS DIAS

Cais dos teus olhos

 

No cais dos teus olhos
há sempre ondas e pedras que se separam
e há mãos que enternecidas se enlaçam

No cais dos teus olhos
há sempre sal e areia que se unem
e há beijos que liquefeitos se repartem

No cais dos teus olhos
há sempre sol e preia-mar que se despedem
e há corpos que desabotoados se entregam

Há um cais que fica nos meus olhos
sempre que parto solitário dos teus…

inédito

Declamação

 

Quero o fio d´aço dum punhal
uma flor emurchecida ao sol da meia tarde
e os versos, todos, em inventário
Quero um sopro fresco, ou mesmo frio
que me trespasse pelo corpo rasgado
sem aromas que me embriaguem
sem metáforas que me matem lento…
Quero-me apagado, quieto
quase que moribundo
enquanto espero que me risques no peito morno
as palavras, todas
que te queria guardadas…
E se o teu arfar em lume, declamando
me acordar de adormecido
e sobreviver ao meu dia menor
saberei do maior poema!...

 

 

inédito

Nem ao diabo lembrava

 

Num comboio (trem) viajava uma senhora desesperada com dor de dentes. A seu lado ia um cavalheiro, que se mostrava sensibilizado com o sofrimento da senhora. A dor dela aumentava progressivamente, levando-a ao desespero.
Não conseguindo ficar sem agir perante tal sofrimento, o cavalheiro, demonstrando a sua preocupação, disse-lhe:
- Minha senhora, mesmo sabendo que lhe vou propor uma solução pouco ortodoxa para minimizar ou mesmo acabar com a sua dor de dentes, não posso deixar de o fazer: se eu lhe introduzir na sua boca a minha língua, massajando a gengiva que envolve o dente dorido, garanto-lhe que irá ficar sem dor.
A senhora, meio aflita, responde:
- Agradeço, mas não sei se poderei aceitar esse seu "remédio". Fiquei até atónica com a proposta!
O senhor respondeu que apenas era sua intenção ajudar.
Passados uns instantes, e ainda mais desesperada de dor, a senhora diz ao cavalheiro:
- Meta a língua, faça o que quiser, mas tire-me esta dor que me desespera!
O cavaleiro meteu a língua na boca dela, massajou por instantes.... e a dor desapareceu.
- Muito obrigado - respondeu a senhora – A sua língua fez milagres!!!
Sentado no banco, mesmo de frente para ambos, um senhor velhinho, já carcomido pela idade, interrogou o senhor que curou a dor da senhora:
- Amigo, esse procedimento, que tão bem executa, também fará bem às hemorróidas?!

Até já

 

Foste, poisada na última folha
que resistia ao Inverno
Foste, levando no regaço
as flores multicolores
dos jardins das nossas Babilónias...
Foste, mas ficaste mais
Só parte, completamente
para qualquer parte
quem nunca foi parte de alguém!
Até já, creio


inédito

Chuva

 

Cai aos pingos no caminho
Como flocos de algodão
E vai formando um charquinho
Parecido a um coração

Quiseram-se orvalhos juntar
Ao manto d´água a crescer…
E do charco fez-se um mar
Onde embarquei, p´ra te ver…

 
inédito

Pensamento

 

Corri a cortina
vi a noite adormecida.
E as estrelas desenham um corredor de luz
do meu céu, perto
até ao teu, aí...
E a lua, essa
fica a morder-se de inveja…

 

 

inédito

A morte fugiu à escola

 

O menino corria, fugia da escola

desesperado, aos gritos

com medo de outros meninos

e sem que lhe perguntem nada…

e sem que lhe tranquem a última porta

e sem que o vento e a chuva fria o detenha

para se suicidar

aos olhos de outros meninos

ali perto, nas águas incrédulas do rio!

Enquanto o dossier da escola

redigido em mil páginas de pouco ou nada

embalado em tábuas de verniz e sedas

saía, àquela hora, daquela escola

- que não sabe dos seus meninos -

para ser entregue aos senhores, aos arautos…

para que constem resultados da “mudança”

e se aplauda o mérito e excelência dela

em conferências e focos de luz…

E o rio ficará para sempre turvo de tristeza

culpando-se, sem ter culpa!...

 

 

O corpo de Leandro Filipe, de 12 anos,

ainda é procurado nas águas do rio Tua (Portugal)

 

Nota:

para enquadramento da mensagem/notícia/poema,

ficcionou-se na segunda metade deste.

 

 

João Luís Dias

 

 

O teu brilho

 

Trazes o brilho de ontem
para o brilho que hoje tens
E, então
é brilho maior ainda (a dobrar)
Os olhos não se gastam
e o sorriso,
se de dentro
não se esvai!...

 

inédito