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POEMAS E RECADOS

poemas e textos editados e inéditos de JOÃO LUÍS DIAS

POEMAS E RECADOS

poemas e textos editados e inéditos de JOÃO LUÍS DIAS

Vertidos

 

Porque amar é um poema, ou deveria ser!...

 

Entra. Fecha a porta.
Não, deixa-a entreaberta
para que a brisa nos espreite e sopre.
Será preciso!...
Molha-me a boca
seca-me o ácido dos dias sem ti.
Enlaça-me
chama à tua a minha pele
cessa os meus momentos mornos
de invernos impiedosos.
Pára. Não desabotoes a seda que me cobre o peito;
rasga-a em tiras desalinhadas
quero-me como farrapo em teu corpo.
Abraça-me, suga-me, ferve-me
salga-me o corpo no teu transpirar.
Arrasta-te à parede e volta-te para ela
quero partir contigo as fronteiras do desejo…
Levanta os braços, abre as mãos em palmas
e mancha de água a parede envergonhada.
Seguro-te e arrepias
solto-te os seios acesos
pego-te os pulsos e sinto o sangue a arder!
Rasgo-te, como rasgado estou de mim...
Afasto-te as coxas, vergo-te e beijo-te a nuca.
Sinto os pés no chão vertido.
Vou para ti desnorteado, endoidecido…
e não quero saber, sequer
se a porta se abriu completamente ou se fechou!

 

 

Cantiga de amigo

 

E digam lá se não é bonito ouvir uma cantiga de amigo medieval, musicada e cantada e acompanhada no piano por Pedro Barroso...

 

 

 

 

Sedia-m'eu na ermida de San Simion

e cercaron-mi as ondas, que grandes son:

eu atendend'o meu amigo,

eu atendend'o meu amigo!

Estando na ermida ant'o altar,

cercaron-mi as ondas grandes do mar:

eu atendend'o meu amigo,

eu atendend'o meu amigo!

E cercaron-mi as ondas, que grandes son,

non ei (i) barqueiro, nen remador:

eu atendend'o meu amigo,

eu atendend'o meu amigo!

E cercaron-mi as ondas do alto mar,

non ei (i) barqueiro, nen sei remar:

eu atendend'o meu amigo,

eu atendend'o meu amigo!

Non ei i barqueiro, nen remador,

morrerei fremosa no mar maior:

eu atendend'o meu amigo,

eu atendend'o meu amigo!

Non ei (i) barqueiro, nen sei remar,

morrerei fremosa no alto mar.

eu atendend'o meu amigo,

eu atendend'o meu amigo!

 

 

Poema de Mendiño, ou Mendinho (trovador galego medieval

que viveu no século XIII)

 

 

Noite

 

Só comigo ao vidro baço da janela

no palpebrar cadente dos olhos

a noite é apenas noite

e o silêncio mudo

ouve o sussurro dos versos

que te chamam…

E o sorriso foi dormir

antes de mim

querendo-me a cama morna.

Se ausente te sei

mesmo que só um pouco

me ausento todo de mim!...

 

 

 

 

 

Agradecimento

 

Depois de 140.000 leituras que ofereci das minhas palavras, por três espaços on-line onde as postei, fico feliz por saber que afinal se pode, ainda, ler poesia!...

A partir de agora reduzirei a este meu espaço o que escrevi ou escreva.

E que venha quem quiser “sentar-se” comigo neste lugar de palavras e de afectos.

O meu agradecimento a todos os leitores, onde destaco os de uma família muito especial: Folgosso / Florença

Aquele abraço de amizade.

 

João Luís Dias

 

Os dos cantautores de excelência, que partilho...

 

 

Prisioneiro urbano

  

Hoje fui pedaço de asfalto
e senti falta da poeira.
Hoje fui estrada toda ao sol
e faltou-me a sombra dos caminhos.
Hoje fui à cidade soberba
e porque me faltaram aromas
plantei-lhe no chão cinzento
um lírio roxo da minha montanha.
Hoje sorri para todos
e ri de mim, a sério
porque me senti
um prisioneiro urbano
pateticamente a pensar em liberdade...
Hoje ri de mim
ao querer olhar-me
num espelho de betão!

 

 

 

 

 

APRESENTAÇÃO

 

Edição em Portugal de "CORAÇÃO DE ALGODÃO", de João Luís Dias, da responsabilidade editorial da CALIDUM

 

 

TODA A RECEITA ANGARIADA COM A VENDA DESTA EDIÇÃO EM PORTUGAL SERÁ ENTREGUE A INSTITUIÇÕES DE SOLIDARIEDADE SOCIAL (porque quero que valha muito este coração de algodão)

 

 

 

 

Apresentará publicamente a obra o jornalista A. Costa Guimarães

 

O momento musical estará a cargo do Grupo Privativo da Calidum (Bárbara Passos, Manuel Afonso, Nuno Queirós, Luís Pinho, João Luís Dias)

 


 

 

Chorei

 

 

Hoje chorei
soltei todas as lágrimas que tinha no peito
e sei bem por que chorei!...
Hoje chorei
e lavei bem lá no fundo o coração.
Hoje chorei
e em cada lágrima voltei a mim
e em cada lágrima me reencontrei
e em cada lágrima estavas lá
a descer pelos meus olhos
a salpicar no meu chão!

 

 

 

 

 

(por vezes a saudade entra mesmo sem bater...)

 

Lápis de cor

 

 

Pai, fazes-me um poema
para oferecer a uma amiguinha da turma?
Claro, como dizer-te não?!...
Diz se gostas:
Um dia, lá para o Inverno
quando o céu cedo escurecer
vou trocar contigo os meus lápis de cor…

É esse o poema? Assim?!...
Que palermice!!!
Obrigado, não te incomodo mais.
Hoje estás sem inspiração, já vi!
Espera, não me deixaste concluir!...
...se de ti receber nos meus olhos
a cor linda dos teus
para contrariar a luz que vai faltando à tarde!

Ah, não está mau.

 

 


 

Doce de amor

 

 

 

Queima-me devagar na tua boca
ao fogo aceso dos teus olhos
e senta-me depois
entontecido de emoção
no paraíso morno do teu coração
onde te tricotar 
com versos de seda
um lenço branco 
que te colha as lágrimas
quando, valendo a pena
chorares de amor
ainda que sorrindo
doce, como sorris…

 

Tango

 

Olho o pinhal pela copa da rama
e ao fundo o mar...
Quer um, quer outro
me parecem inquietos.
E sopra-me uma vontade enorme
de rumar ao sul
de dançar um tango
e sentir o teu cheio
a saciar-me nesta noite.
E ouço a melodia
e fervem-me as veias.
Transpiro e arrepio
e morro mil vezes de desejo.
E tenho o chão
ladrilhado de pétalas que te quero
e não te tenho aqui!

 

 

 

 

 

Estação

 

(à cidade de Viana do Castelo e sua estação)

 

 

Pediu  lume e acendeu o instante

Entregou no rio, ao fundo, o olhar

e deixou possuir-se sem pressa…

Voltou aos versos

que lhe escorriam das mãos

trémulas, molhadas

vertendo no chão gotas mornas de si

e pediu ao silêncio que lhe declamasse a noite

ali, na estação

à espera da última partida…

 

 

 

 

“Partamos de flor ao peito / que o amor é como o vento

quem pára,  perde-lhe o jeito / e morre a todo o momento”

 

Fado de Coimbra

 

 

 

Hoje lembrei o fado de Coimbra, a universidade, a estudantada, as serenatas, a saudade, a emoção vertida dos olhos...

Fica a minha homenagem a tudo isso, neste recorte colhido numa das "queima das fitas"

 

 

 

"Sentes que um tempo acabou

Primavera de flor adormecida

qualquer coisa que não volta, que voou

que foi um rio, um ar na tua vida

E levas em ti guardado

o choro de uma balada

recordações do passado

o bater da velha cabra

 

Capa negra de saudade

no momento da partida

segredos desta cidade

levo comigo p' ra vida

 

Sabes que o desenho do adeus

é fogo que nos queima devagar

e no lento cerrar dos olhos teus

fica a esperança de um dia aqui voltar

E levas em ti guardado

o choro de uma balada

recordações do passado

o bater da velha cabra

 

Capa negra de saudade

no momento da partida

segredos desta cidade

levo comigo p' ra vida"

 

  

"cabra" - relógio na torre cimeira da velha Universidade de Coimbra.

 

Zeca Afonso (Janeiras)

 

À minha leitora que considero e respeito muito, Maria Eva

 

 

Natal dos simples (Zeca Afonso)

Vamos cantar as janeiras
Vamos cantar as janeiras
Por esses quintais adentro vamos
Às raparigas solteiras

 

Vamos cantar orvalhadas
Vamos cantar orvalhadas
Por esses quintais adentro vamos
Às raparigas casadas

 

Vira o vento e muda a sorte
Vira o vento e muda a sorte
Por aqueles olivais perdidos
Foi-se embora o vento norte

 

Muita neve cai na serra
Muita neve cai na serra
Só se lembra dos caminhos velhos
Quem tem saudades da terra

 

Quem tem a candeia acesa
Quem tem a candeia acesa
Rabanadas pão e vinho novo
Matava a fome à pobreza

 

Já nos cansa esta lonjura
Já nos cansa esta lonjura
Só se lembra dos caminhos velhos
Quem anda à noite à ventura

 

 

 

Bem, esta também do Zeca, será para quando o soninho da família toda insistir em querer tardar, se o vento soprar do lado errado...

 

 

 


Tatuada no ventre (ficção)

 

Assim se inicia um romance. O resto o mar mo ditará...

 

 

Na areia molhada, na praia vazia, vai gravando o som do mar a cada onda que se lhe quebra por perto e se desfaz em espuma branca a seus pés.
É Outono, ausente de azul, cinzento, fim da manhã e Sheila insiste em permanecer ali, sem pressa e sem razão para a ter. Ninguém espera por ela e ela nunca esperou por ninguém. Está ali, ela apenas, despreocupada, sem relógio no pulso, sem relógios no céu. Está ali, só, e quer ficar assim naquela praia deserta, pisando a areia fria, olhando e gravando as ondas e o mar. Descalça, de calças içadas aos joelhos, sente o fresco no corpo, mantendo a febre no peito.
Levantou-se cedo, madrugada ainda, seguiu a estrada do Oeste e escolheu aquele lugar para acordar de si naquele dia. E, aquele dia, naquela manhã desprovida de azul e de sol, é tudo o que quer para si. Sheila quer sempre pouco, do pouco que aprendeu a querer e lhe souberam dar.
De flor tatuada, em dias que o tempo engoliu as horas, quando achada perdida, Sheila insiste em querer encontrar-se, como se a coragem a pedir-lhe. Obrigaram-na, feriram-lhe o ventre, abafaram-na, profanaram-na e ela nunca soube aprender a fugir e esconder-se. Guarda memórias, disfarça mágoas, sente a dor a cada adormecer e ainda não rasgou folha alguma do diário que lhe relatam momentos; poucos de silêncio e conforto, muitos de grito e cólera.
Passados tantos anos, tantas noites silenciadas entre paredes sem cor, esta mulher, feita mulher sem tempo há tanto tempo, criança ainda, sabe hoje, muito bem, de cada gesto que a não deixou adormecer, de cada dor que expulsou num grito, de cada momento que a não deixou crescer criança, brincar como criança. Sheila sabe bem de todas as palavras e de todos os nomes e de todas os momentos que o seu diário guarda e que tem nas mãos, ali, na praia vazia, de areia fria, de onde vai olhando e gravando as ondas e o mar.
Passa já do meio dia e a neblina começa a levantar na praia e na praia fica apenas o cinzento, o frio, gaivotas soltas ao longe e ela e uma vontade enorme de soltar das mãos o diário que segura. Sabe bem o que diz ele. Sabe muito bem tudo o que dela está nele, e pesa-lhe agora mais que demais!
De calças içadas aos joelhos, caminha pela areia fria até à água, às ondas, ao mar todo e solta nele o pedaço maior de si...

 

 

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