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POEMAS E RECADOS

poemas e textos editados e inéditos de JOÃO LUÍS DIAS

POEMAS E RECADOS

poemas e textos editados e inéditos de JOÃO LUÍS DIAS

UM SONHO, UM HINO, UM HOMEM MAIOR

 

Um dia, Horácio Sousa, Presidente da Junta de Freguesia de Souto, concelho de Terras de Bouro, abordou-me para que eu o ajudasse a concretizar um “sonho” que alimentava há já algum tempo: conseguir um hino para a sua freguesia. Precisava, para isso, de um poema/letra.
Sugeri-lhe que desenvolvesse uma espécie de recolha de ideias, ou mesmo um concurso literário, publicitando nos órgãos de informação local a iniciativa, onde, para além de indicar, como estímulo, os prémios monetários para os três prémios classificados (que ele tinha dito que a Junta de Freguesia disponibilizaria), deveria apresentar um regulamento para orientar e regular os concorrentes. Recolhidos os poemas/letras, um júri faria a avaliação. 
Aceitou a sugestão e pediu-me para que eu fosse um dos concorrentes. Prometi que participaria e adverti-o que pelo facto de eu o ter ajudado com a minha sugestão não poderia de forma alguma ter influência na apreciação dos premiados, pois não o admitiria, por princípio e porque, por vezes, gostava também do “sabor” da competição. Prometeu que isso jamais aconteceria. E eu acreditei, já que o conhecia muito bem e sabia da sua verticalidade e correcção em tudo o que faz.
O concurso foi lançado, publicitado e recolhidos os poemas/letras a concurso. Eu, e ainda hoje me custa aceitar a minha falha, não participei. O valor dos prémios (1º, 2º e 3º) eram muito convidativos, acreditem! 
Os trabalhos não foram, por decisão unânime da Junta, avaliados para atribuição de prémios, já que todos eles careciam de qualidade literária mínima para honrar um hino, informou-me O Presidente da Junta passado algum tempo e eu, lamentando a minha não participação, concordei com a decisão. Um hino que imortaliza uma terra deve merecer o melhor de todas as palavras e, atento aos conteúdos que ele me falou, não tinham essas valências. Senti no olhar do Presidente da Junta uma grande desilusão. Caramba, fiquei envergonhado pela falha que cometi ao não concorrer, não dando de mim o melhor para ajudar o mais legítimo dos sonhos de um fervoroso amante da sua terra e autarca brioso: deixar aos vindouros algo tão significativo como um hino!
Ao cumprimentá-lo na despedida e como que se um poema lhe visionasse nos olhos, disse-lhe: “Volte aqui amanhã e traga-me escrito numa folha de papel tudo o que gostaria de ver dito no poema para o seu hino”. Brilharam-se-lhe os olhos, apertou-me a mão outra vez e disse: “Claro que volto, e já sei que palavras irei trazer escritas”. E adiantou: “O valor dos três prémios do concurso serão entregues ao João Luís”. Sorri, e lembro-me de lhe ter dito: “Claro, não os perdoo!”
Com as palavras/tema por ele sugeridas e com o conhecimento que tenho da Freguesia de Souto, não me foi difícil escrever a letra/poema, que lhe entreguei passado dois dias. No momento da entrega do escrito, antecipei-me a ele o disse-lhe que não aceitaria qualquer prémio monetário, pois queria que a Junta de Freguesia com essa importância ajudasse da melhor forma as instituições sociais e de solidariedade da sua Freguesia. 
Havia letra/poema para o hino. Faltava agora a música para ele. Sem música não pode haver hino. Pois, ambos nos tínhamos esquecido desse pequeno/grande pormenor! Ele ainda me sugeriu que um também fizesse a música. Eu sugeri-lhe que ele pedisse essa composição a um qualquer regente de banda filarmónica da região, visto eu apenas tocar de ouvido, “como o galo”.
Passado uns dias, voltou a procurar-me para me informar que ainda não tinha conseguido música para o hino. Voltei a ver nele o desânimo. Prometi que haveria de arranjar forma de o ajudar, não lhe adiantando mais nada.
Nessa noite telefonei ao Pedro Barroso. Contei-lhe tudo o que se tinha passado desde o início da intenção do Presidente da Junta e de como o tinha encontrado desanimado naquele dia. Ele achou a ideia fantástica e, deveras, altruísta. Disse mesmo que achava interessante saber que um presidente de Junta “não se preocupa só em construir fontenários e abrir caminhos”. Aproveitando a surpresa positiva dele sobre a iniciativa, pedi que ele musicasse o poema, ao que ele me respondeu que eu era maluco, adiantando: “Não duvido que Souto seja uma terra muito bonita e que mereça um hino e que o Presidente da Junta está de parabéns com a iniciativa, mas eu não conheço a terra, e quanto a hinos só fiz um para o meu Belenenses”. Claro que aceitei e compreendi a sua recusa. Pedi-lhe até desculpa pela minha ousadia, mas disse-lhe que, mesmo assim, lhe iria enviar por e-mail a letra/ poema que tinha escrito.
Passados dois ou três dias, Pedro Barroso telefonou-se a saber se eu estaria em casa no próximo sábado de tarde. Respondi que sim e perguntei-lhe porque queria ele saber. Ele respondeu que viria a Terras de Bouro dar-me um abraço e compor a música para o hino na minha presença, até porque teria de acertar comigo questões de métrica e queria também que estivesse presente o Presidente da Junta. Eu não queria acreditar que ele tinha aceitado fazer a música para o hino e fazer uma tão longa viagem com esse propósito. Mas chegou, acertou metricamente comigo o poema, pegou na viola, procurou uns acordes, trauteou e em acto contínuo cantou todo o poema. O Hino estava completo. Pediu um gravador, um microfone e com a ajuda dum simples programa informático deixou em documento a sua voz e melodia. Um amigo meu, Luís Pinho, que apareceu para ver o Pedro Barroso, acabou por o acompanhar na gravação com solos de viola. E tudo isto num lapso de tempo que não excedeu a meia hora. Deu-me um abraço de despedida, cumprimentou o Horácio, o Bento e o Maia, todos da Junta de Freguesia de Souto, elogiando-lhes a iniciativa, e voltou para Riachos, deixando comovidos os autarcas. E eu fiquei atónito com a bondade de um homem maior!


 

Sun Lam

 

No meu penúltimo livro "UM POEMA, UMA FLOR" - edição Calidum - contei com as magníficas fotos de autoria de SUN LAM (Diretora do Instituto Confúcio, da Universidade do Minho e bisneta, por afinidade, do grande romancista Eça de Queirós. 
Faço-lhe justiça e agradeço com a foto que disponibilizo.

 


 


Despudoradamente

 

Enquanto na árvore 
parceira de tanta sede 
as folhas se agitam distraídas
ao sopro dum vento de arrepio
à sombra dela 
levo-te aos olhos um raio de sol
e ao peito uma brisa quente
e saboreio todas as gotas da tua boca
antes da primeira da tua erupção.
E, embriagado nelas 
ardo no fogo que me vai consumindo…
E verto-te depois 
no teu mais profundo desejo.
E digo, então:
tão bom possuir-te assim
de alma e carne
intensa e despudoradamente
à última luz que a tarde nos quis guardar...


 

Obviamente, de amor

 

Já foste pedaço da minha noite
poisada em mim até ao adormecer.
Já foste pela minha madrugada adentro
querendo-te ainda mais que ao sono.
Já foste a minha noite toda
precedida pela manhã.
Hoje és tudo em todo o meu dia
e a todos os instantes;
és composição maior do ar que respiro.
Mas serás, e quero eu sejas
todo o meu respirar
inspirando da tua boca o meu sobreviver.

 

 


Cantares das Janeiras 2012

 

CALIDUM (Cantares das Janeiras/Reis 2012)

Letra

Foi-se mais um ano
Mais um ano vem
Esperança, precisa
Também

Caíram as folhas
Revolta-se o mar
Isento à tormenta
O cantar

Que se eleve a alma
Ferva o coração
Insista e resista
A razão

Não me calarei
Mesmo em desalinho
Se este me anima
O caminho

Que o vento frio
Soprado de fora
Não nos cale a voz
Mande embora

Que se erga o canto
Dure a tradição
Que esta é maior
Saberão…

Entre amigos´estamos
Dissemos “presente”
Cantando as janeiras
P´ra sempre…

João Luís Dias

(música à qual se adaptou o poema: "Música de Mar", de Pedro Barroso)

 

(Nota: o grupo que canta - em exibição no vídeo - ensaiou apenas uma vez)
Quero, daqui, pessoal e em nome da CALIDUM - Clube de de Autores Minhoto/Galaicos, deixar um abraço de agradecimento e elogio aos jovens talentosos Marcos, Rui Pedro, Miguel, Tiago, Adriano Pereira e Adriano Araújo, por terem comigo - e à última hora - aceite representar a "Calidum" num evento cultural, onde se quer preservada uma das tradições populares da nossa região e país. Mesmo sem que lhes tenha sido dado tempo para ensaiar convenientemente. 

Agora e sempre

 

Quero, ainda e sempre
a flor mordida na boca
o sangue a ferver no fio do fogo
e a alma em revolução…
Para que o silêncio dos olhos
não seja o amanhecer do resto dos dias
e eu o carrasco, impávido
da última noite de luar
despida ao céu aberto
arrefecendo pela madrugada…

 

 

Quem sai aos seus!...

 

(Crónica. Baseada em facto real)

Prestava o Serviço Militar. 
Depois de ter desistido do Curso de Formação de Sargentos (achei que não tinha vocação para a carreira militar), tinha voltado ao quartel onde tinha iniciado pela recruta. Era um regimento de Cavalaria.
Porque os “cavaleiros” são extremamente briosos, também eu cuidava rigorosamente e com espero do meu aspecto: botas sempre bem engraxadas, cabelo cortado a rigor, pelo menos no cachaço e por cima das orelhas (a boina escondia o resto), o nó da gravata cuidadosamente elaborado e a barba sempre bem cortada (a cara teria de parecer a de um santo de altar). Em relação a este último pormenor, eu estava mais confortado do que os meus camaradas, pois enquanto eles tinham de diariamente raspar a cara com a lâmina para eliminar um único pêlo que fosse de barba, a mim bastaria fazê-lo de três em três dias. Nunca fui muito abonado dessa espécie.
Um dia havia festa no Regimento; os novos recrutas iriam “jurar bandeira”e por isso o Comandante da Região Militar iria presidir à cerimónia. Nos dias que antecederam esse dia, os treinos e recomendações não se fizeram esperar; cheguei a dar vinte e quatro voltas em redor da parada para afinar a marcha e a estar duas horas à espera de vez para o barbeiro. Tudo estava a ser preparado para uma vez mais o Regimento sair prestigiado e com a “cagança” que se exigia a todos.
O dia da cerimónia tinha começado numa correria logo pela manhã. Na caserna todos os militares procuravam o espelho para se barbearem. Esta era uma rotina diária, mas hoje acrescida de maior responsabilidade. Eu, como tinha desfeito a barba no dia anterior, apenas tive o cuidado de dar um engraxadela nas botas e verificar o nó da gravata. Senti-me estar completamente aprumado.
Já na formatura esperávamos em “sentido” a tradicional revistas às tropas. O nosso Comandante, acompanhado pelo Comandante da Região Militar, ao passar em frente a mim parou e, com voz áspera, perguntou-me porque não tinha tido a decência de desfazer a barba naquele dia. Ao que eu prontamente lhe respondi: “Meu Comandante, não desfiz a barba porque não a tenho; na cara saí à minha mãe.”
O Comandante sorriu, deu-me uma leve bofetada e continuou a revista.

 

Cristina, uma "pessoa especial"

 

Não o faço com regularidade, confesso, mas uma destas noites, antes de sair de casa depois do jantar, para tomar o habitual café num bar na vila, peguei em dois livros de minha autoria para os oferecer ao empregado do bar. Era minha intenção oferecer os dois livros; um para ele e outro para quem ele o quisesse direccionar. Então, ao fazer-lhe a oferta, disse-lhe isso mesmo: “este é para ti, e este mais é para uma pessoa que te seja muito especial. Acreditem que estava à espera que ele me falasse duma qualquer “paixoneta”, a quem um livro de poemas (muitos de amor) assentaria como cereja em cima do bolo. O Manel pediu-me então que eu fizesse uma dedicatória à “Cristina”. E eu perguntei: “namorada?”. “Não”, respondeu-me: “irmã”.
E eu fiquei honrado por saber da pessoa “muito especial” do Manel, que me partilhou.