UM SONHO, UM HINO, UM HOMEM MAIOR
Um dia, Horácio Sousa, Presidente da Junta de Freguesia de Souto, concelho de Terras de Bouro, abordou-me para que eu o ajudasse a concretizar um “sonho” que alimentava há já algum tempo: conseguir um hino para a sua freguesia. Precisava, para isso, de um poema/letra.
Sugeri-lhe que desenvolvesse uma espécie de recolha de ideias, ou mesmo um concurso literário, publicitando nos órgãos de informação local a iniciativa, onde, para além de indicar, como estímulo, os prémios monetários para os três prémios classificados (que ele tinha dito que a Junta de Freguesia disponibilizaria), deveria apresentar um regulamento para orientar e regular os concorrentes. Recolhidos os poemas/letras, um júri faria a avaliação.
Aceitou a sugestão e pediu-me para que eu fosse um dos concorrentes. Prometi que participaria e adverti-o que pelo facto de eu o ter ajudado com a minha sugestão não poderia de forma alguma ter influência na apreciação dos premiados, pois não o admitiria, por princípio e porque, por vezes, gostava também do “sabor” da competição. Prometeu que isso jamais aconteceria. E eu acreditei, já que o conhecia muito bem e sabia da sua verticalidade e correcção em tudo o que faz.
O concurso foi lançado, publicitado e recolhidos os poemas/letras a concurso. Eu, e ainda hoje me custa aceitar a minha falha, não participei. O valor dos prémios (1º, 2º e 3º) eram muito convidativos, acreditem!
Os trabalhos não foram, por decisão unânime da Junta, avaliados para atribuição de prémios, já que todos eles careciam de qualidade literária mínima para honrar um hino, informou-me O Presidente da Junta passado algum tempo e eu, lamentando a minha não participação, concordei com a decisão. Um hino que imortaliza uma terra deve merecer o melhor de todas as palavras e, atento aos conteúdos que ele me falou, não tinham essas valências. Senti no olhar do Presidente da Junta uma grande desilusão. Caramba, fiquei envergonhado pela falha que cometi ao não concorrer, não dando de mim o melhor para ajudar o mais legítimo dos sonhos de um fervoroso amante da sua terra e autarca brioso: deixar aos vindouros algo tão significativo como um hino!
Ao cumprimentá-lo na despedida e como que se um poema lhe visionasse nos olhos, disse-lhe: “Volte aqui amanhã e traga-me escrito numa folha de papel tudo o que gostaria de ver dito no poema para o seu hino”. Brilharam-se-lhe os olhos, apertou-me a mão outra vez e disse: “Claro que volto, e já sei que palavras irei trazer escritas”. E adiantou: “O valor dos três prémios do concurso serão entregues ao João Luís”. Sorri, e lembro-me de lhe ter dito: “Claro, não os perdoo!”
Com as palavras/tema por ele sugeridas e com o conhecimento que tenho da Freguesia de Souto, não me foi difícil escrever a letra/poema, que lhe entreguei passado dois dias. No momento da entrega do escrito, antecipei-me a ele o disse-lhe que não aceitaria qualquer prémio monetário, pois queria que a Junta de Freguesia com essa importância ajudasse da melhor forma as instituições sociais e de solidariedade da sua Freguesia.
Havia letra/poema para o hino. Faltava agora a música para ele. Sem música não pode haver hino. Pois, ambos nos tínhamos esquecido desse pequeno/grande pormenor! Ele ainda me sugeriu que um também fizesse a música. Eu sugeri-lhe que ele pedisse essa composição a um qualquer regente de banda filarmónica da região, visto eu apenas tocar de ouvido, “como o galo”.
Passado uns dias, voltou a procurar-me para me informar que ainda não tinha conseguido música para o hino. Voltei a ver nele o desânimo. Prometi que haveria de arranjar forma de o ajudar, não lhe adiantando mais nada.
Nessa noite telefonei ao Pedro Barroso. Contei-lhe tudo o que se tinha passado desde o início da intenção do Presidente da Junta e de como o tinha encontrado desanimado naquele dia. Ele achou a ideia fantástica e, deveras, altruísta. Disse mesmo que achava interessante saber que um presidente de Junta “não se preocupa só em construir fontenários e abrir caminhos”. Aproveitando a surpresa positiva dele sobre a iniciativa, pedi que ele musicasse o poema, ao que ele me respondeu que eu era maluco, adiantando: “Não duvido que Souto seja uma terra muito bonita e que mereça um hino e que o Presidente da Junta está de parabéns com a iniciativa, mas eu não conheço a terra, e quanto a hinos só fiz um para o meu Belenenses”. Claro que aceitei e compreendi a sua recusa. Pedi-lhe até desculpa pela minha ousadia, mas disse-lhe que, mesmo assim, lhe iria enviar por e-mail a letra/ poema que tinha escrito.
Passados dois ou três dias, Pedro Barroso telefonou-se a saber se eu estaria em casa no próximo sábado de tarde. Respondi que sim e perguntei-lhe porque queria ele saber. Ele respondeu que viria a Terras de Bouro dar-me um abraço e compor a música para o hino na minha presença, até porque teria de acertar comigo questões de métrica e queria também que estivesse presente o Presidente da Junta. Eu não queria acreditar que ele tinha aceitado fazer a música para o hino e fazer uma tão longa viagem com esse propósito. Mas chegou, acertou metricamente comigo o poema, pegou na viola, procurou uns acordes, trauteou e em acto contínuo cantou todo o poema. O Hino estava completo. Pediu um gravador, um microfone e com a ajuda dum simples programa informático deixou em documento a sua voz e melodia. Um amigo meu, Luís Pinho, que apareceu para ver o Pedro Barroso, acabou por o acompanhar na gravação com solos de viola. E tudo isto num lapso de tempo que não excedeu a meia hora. Deu-me um abraço de despedida, cumprimentou o Horácio, o Bento e o Maia, todos da Junta de Freguesia de Souto, elogiando-lhes a iniciativa, e voltou para Riachos, deixando comovidos os autarcas. E eu fiquei atónito com a bondade de um homem maior!