Provei a última lágrima que choraste
quando descia morna
mas ainda acesa no teu rosto
Provei o último beijo que verteu da tua boca
já arrefecido
mas ainda doce
e a saber a teus lábios temperados de açucenas
Olhei o teu sorriso húmido
menos sorriso
mas lindo, tão lindo
como a Primavera que te mostrou
numa manhã de cores…
Neste pensamento
por onde me solto…
contigo em mim
a todo o instante
invento-te ainda…
e consumo
aos poucos
num insinuado ritual
o sorriso lavado e lindo
ousado e meigo
com que me premiaste um dia
E fico por aqui
assim
entontecido nesse embriagar!
Se um dia
num momento só
num só instante que seja
ousar possuir-te
rasgar
numa partilha
esta vontade de ti
querer-me-ei
aprisionado no teu ventre
Depois
se o pensamento…
soltar-me-ei na chama ainda acesa
desse encantamento!
Eu tinha um botão sem casa, um bichinho da seda
Meio par de sapatos de palhaço e uma alma à venda
Uma máquina Olivetti com cáries, um comboio atrasado
Um cartão do Atlético (de Madrid), uma cara (reflectida) no fundo dum vaso
Um colégio privado, um compasso, uma mesa camilha
Uma noz, uma maçã-de-adão, menos uma costela
Um medidor diabético, um cúmulo, um céu nublado, um extracto
O camelo do Rei Baltazar, uma gata sem gato
A minha Annie Hall, minha Gioconda, minha Wendy, as senhoras primeiro
O meu Cantinflas, a minha Bola de Neve, os Três Mosqueteiros
O meu Tintin, o meu yoyó, o meu anel de brilhantes, o meu sete de copas
A varanda onde te desnudei sem te tirar as roupas.
O meu esconderijo, a minha clave de sol, o meu relógio de pulso
Uma lâmpada de Ali-Babá dentro de um chapéu de palha.
Não sabia que a primavera durava um segundo
Eu queria escrever a canção mais bonita do mundo.
Eu queria escrever a canção…
Apresento-lhes o meu avô bastardo, a minha esposa solteira
O padrinho que me apadrinhou na Legião Estrangeira
O meu irmão gémeo, patrão no mercado ambulante
A Simbad, o marinheiro que teve um sobrinho cantor
A puta da minha prima Carlota e o seu cão salsicha
O meu cigarro,a minha camisola de malhas contra a desdita (má sorte)
Borboletas que caçam em sonhos, os meninos com borbulhas
Quando sonham que abraçam a Vénus de Milo sem mãos.
Livrei-me dos tontos por cento, do conto do vigário
Dando aulas numa escola de canto de cisnes
Com Simão de Cirene dei uma volta pelo Monte Calvário
Que farias tu se Adelita fugisse com um comissário?
Em frente ao cabo de pouca esperança arreei a minha bandeira
Se me perco de vista espera-me a lista de espera.
Herdei uma garrafa de rum dum pobre moribundo
Esqueci a lição à volta de um coma profundo.
Nunca pude cantar de uma só vez
A canção da espuma do mar, do relâmpago na veia
Das lágrimas que guardei para chorar quanto valer a pena
Da página grávida no ventre dum bloco trota mundos (passaporte)
De uma gota de tinta no hino dos Iracundos.
Eu queria escrever a canção mais bonita do mundo…
A poetisa e pintora ROSA MAGALHÃES, que, confesso, nunca tive o prazer de ver de perto e só lhe conheço palavras, dedicou-me este belíssimo poema, por certo imerecido.
Fica aqui postado, com o meu agradecimento.
João Luís Dias
BÚRIOS COBERTOS POR MIMOSAS
Que importa!
Se Janelas que trazes são janelas abertas
E as planícies
São Olhares do teu eu quase encoberto
Ousas nas palavras
O Ãmar de um amor que faz falta
A iluminar todos os sonhos O teu eu superior mais forte
Que importa!
Se Lírios e jardins estão mortos
Se existem flores
E Urtigas entre outros eternos cantos
A namorar rosas Ínquietas e florestas desertas
Dos campos lindos Simples das tuas germinadas letras
Que importa!
Se os Dias e as horas que passam, cantam
Ou se passam
Giestas Internas nos medronheiros sábios
Há marcos milenares por todo o lado A temperar os sabores mais amenos
Amizades são Búrios São rústicas portas cobertas de mimosas