Pensava em ti… com a noite, já descalça a aconchegar-se comigo e vi um clarão como que explosão do horizonte. Era um relâmpago a antecipar um trovão, de velocidade menor eu sei! Mas naquele instante em que o céu brilhou e te vi projectada nele tão linda, tão meiga, tão sonhada… quis mais relâmpagos antecipando mais trovões mesmo que anunciando, à pressa a tempestade maior de Abril. E só para te voltar a ver tantas vezes, quantas vezes o céu explodisse em luz. E depois… depois poderia vir a chuva e a tempestade enorme para me molhar aconchegado na noite, já descalça nesta Primavera morna!
Porque grande amigo de Bárbara Passos (como se minha irmã mais nova) serei suspeito se a elogiar, mas ora digam lá se não é merecedora de um aplauso, e de pé?
Esta menina dotada de qualidades maiores e de uma simplicidade desmedida terá de ser ouvida por quem gosta de ouvir cantar a sério!...
Vejo e sinto os pés e o chão por onde passam e o chão que pisam: se de terra fria, à sombra se de areia branca, à espuma do mar se de asfalto, derretido à fúria do Sol. Vejo e sei dos pés e por onde passam… e por onde param e por onde se ficam. E o resto de mim já nem me preocupa saber; já não me ocupa de ansiedade já não me atormenta o sono porque to entreguei, todo quando soube de ti nesse olhar de rio lavado!...
Há um verso que abafa no peito uma flor à sede no jardim e um poema desesperado à espera que no chão se abra o livro branco onde o poisar desventrado… Há um verso uma flor um poema um chão um livro ainda fechado e um poeta que adormeceu e não desperta. Não o acordem, por enquanto. O poema terá tempo! Sempre teve...
Desta vez queria escrever um texto fantástico. Como que uma espécie de crónica, onde nela desenvolvesse uma ideia genial e aí soltasse todas as melhores palavras e com elas prendesse à leitura até o mais desprendido destas coisas da escrita. Desta vez queria escrever algo mesmo soberbo! Bem, mas não o conseguirei, claro. Que raio de mania tenho de me iludir com feitos inatingíveis! Que apetência tenho para me deixar perder em delírios do espírito, emoldurados de ambição desmedida!... Desta vez queria escrever algo à maneira e obrigam-me os olhos a fixar-me em seis colunas de cimento armado, que sustentam um edifício com algumas janelas e sem varandas nenhuma. Mas como poderei escrever alguma coisa que valha, se, para além das colunas e das paredes do edifício que aquelas suportam, só um passadiço frio tenho para procurar motivos para desenvolver num texto e nele alinhar mesmo as maiores palavras e as mais ricas figuras de estilo literário?! Hoje, quando queria escrever o melhor recorte de palavras de sempre, tenho apenas para motivo de inspiração meia dúzia de colunas a suportar um edifício sem varandas e um passadiço, por onde se passa e cospe no chão. Bem - passe o esquecimento - pregada na parede do edifício, fixado pelas colunas que, com o adiantado destas, formam uma espécie de arcada, existe uma caixa de levantamento automático – multibanco – onde, à míngua, se vai colhendo da parede o magro salário e reforma, a quem nem tempo lhes dão para poisarem, para algum temperamento, em depósito. E vão rindo os bolsos e vão gemendo os juros… e vão parando no passadiço, em frente à caixa aprisionada na parede do edifício com janelas mas sem varandas, aqueles que aos pouquinhos vão sacrificando o pé-de-meia, que um dia quiseram fazer crescer, acomodado e guardado na caixa-forte da sua legítima ambição, fruto do amargo trabalho de sol a sol de tantos dias!... Queria escrever uma crónica maior e obrigam-me os olhos a colher inspiração em seis colunas, num edifício, numa arcada, num passadiço, numa caixa de levantamento automático, crucificada numa parede, onde se levanta à míngua dinheiro e se cospe no chão, enquanto se espera, como que por uma esmola da parede. Queria escrever algo maior, soberbo, mas não é fácil, se aos meus olhos me prendo e eles me oferecem pouco… E nem em sei se, assim, conseguirei, com vontade, escrever, a sério, algum dia!
O mundo parará todos os dias aconchegado, até, no nosso colo se o quisermos a sério a todas as horas. Os dias serão amenos, sempre
se os temperarmos com sorrisos, também à chuva e lágrimas, mesmo que evaporadas ao sol a todos os instantes. O mundo passará pelos séculos e ficará se o soubermos ontem hoje, também e o continuarmos a saber assim... quando adormecemos querendo-o muito! O mundo será o que quisermos parado, ou em movimento… se o soubermos, sempre um pedacinho de todos!