Está o ano a acabar e eu não vou chorar mais por ele. Juro que não. Já chorei, e os meus irmãos também choraram, pela nossa mãe que se foi durante ele. Já choraram os meus amigos e os amigos deles, pelas mães e pais que se lhes foram também. Já choraram todos aqueles que souberam chorar, porque lhe soube bem chorar… Basta, neste restinho do ano, de choramingueiras. Agora, sim, um brinde, ao ano que vem. E que venha com cuidados, para que mereça que por ele se chore sentidamente no seu percurso,
e no final dele, como agora, se volte a celebrar com um copo cheio de vida!
Antes iniciar a conversa com o jornalista Mário Augusto, da RTP 1, disse-lhe: "Não me vai ser fácil falar consigo, pois você e conhecido, respeitado e prestigiado por entrevistar as maiores estrelas de cinema de Hollywood. Não me faça perguntas difíceis!" Ele respondeu-me de imediato: "Sente-se aí João. Pode não ter uma estrela no chão, mas tem este rio e esta serra na alma. E isso é que vai complicar-me. Vá, mas deixe ver se me desenrasco consigo neste direto". Não correu mal. Aliás, correu muito bem! Quando um jornalista é de excelência, o entrevistado nem precisa de dizer muito.
Acendi a noite apaguei o escuro. Para lá da cortina fica a janela goteada e fria. Fiquei no morno entretido contando os dias que soube de sol e a contar com as chuvas que hão de vir se o inverno se cumprir. Lembrei do que quis saber e soube de alguma coisa querendo muito transpirando ao sol correndo à chuva... mas que agora quase esquecia no vagar das horas no entontecer da noite ao acomodar do sono no efémero dos dias de lareira acesa...
Agora a MINHA PRENDA para os meus amigos(as) daqui e de todos os lugares: mil versos, onde vos guardo, e esta camélia que "colhi" agora mesmo no meu jardim, para perfume dos vossos olhos.
Colhi tangerinas no quintal e lembrei um amigo em cada fruto. Podei a árvore de romãs perfilada entre roseiras no jardim e olhei o rio que desce ao fundo calmo e a transbordar como que antecipando as chuvas. Revi ”A bela adormecida” ao sabor doce uma rabanada e acendi a lareira para aquecer cedo a festa. Mais logo irei consoar e esperar a meia noite para mais uma visita às estrelas e à página do livro que guardo… Poderia ser de outra forma mas o meu Natal é assim: tão simples, quanto ele me pede.
Chateia-me o custo abusivo do estacionamento pré-pago.
Chateiam-me os arrumadores de carros, desesperados por uma moeda de cinquenta cêntimos.
Chateia-me ver a fome estampada no rosto de jovens desacreditados do presente e no futuro.
Chateiam-me as filas no McDonald’s, para um hamburger e um copo com mais gelo que bebida.
Chateia-me o Pai Natal com óculos sem lentes e barbas brancas de algodão.
Chateiam-me as canções de Natal, monocórdicas e repetidas no mês de dezembro.
Chateia-me caminhar por uma estrada sem luz.
Chateiam-me as albufeiras a prender e a impedir as águas dos rios de descer e os peixes de subir.
Chateia-me o frio e os dias consecutivos de chuva.
Chateiam-me as picadas dos insectos e as axilas transpiradas no verão.
Chateia-me o aprendiz de ditador, saudoso das medidas absolutistas e do mofo do manto púrpura.
Chateiam-me os excessos da democracia, quando esta fabrica demagogos e desonestos.
Chateia-me ouvir sempre “sim, tem razão, concordo, excelente”, quando se ficou aquém da perfeição.
Chateiam-me as pessoas ingratas, as curiosas demais e as que procuram pequenas fendas nas paredes dos outros, quando as suas paredes caíram no último dia de vento fraco.
Chateia-me o cheiro a chulé e os sapatos de má qualidade, comprado por uma bagatela.
Chateiam-me as meias de lã duvidosa, vendidas ao kilo nas lojas com cheio a plástico, ou entre os gritos de vendedores ambulantes nas romarias.
Chateia-me ouvir um acorde de guitarra desafinado.
Chateiam-me os programas de televisão, que fabricam celebridades que cantam e dançam e os abandonam depois acocorados nos seus sonhos.
Chateia-me o ranking das escolas, para aferir sucessos duvidosos, pondo em confronto titânico o ensino público e privado, como se afirmando "a minha gaita toca melhor do que a tua".
Chateiam-me os exames nacionais, que exigem às crianças esforço maior de estudo, roubando-lhes o tempo de brincar.
Chateia-me ter de dizer num texto tanta coisa que me chateia.
verte mel pingos no rosto de flores amanhadas à luz acesa no coração. E fica o doce na boca em fio escorrido onde bebe o beija-flor e o arco-íris espera vez...
O senhor Austrincliniano era um homem prudente. Sabia-o toda a gente da sua região. Nunca dava um passo sem que previamente o medisse. Foi assim que o conheceram desde sempre. Diziam, inclusive, que falava pouco, com medo de entrelaçar as cordas vocais. Apesar disso, sempre foi respeitado e considerado por todos. Chegou a ser responsável político na sua terra.
Este homem, de nome esquisito, vestia camisa de meia manga no inverno e gabardina no verão, para não ser apanhado de surpresa por uma mudança repentina do tempo. Justificava este estranho comportamento com a expressão "o diabo nunca tem sono nem vontade de dormir!”.
Muita gente chegou a censurá-lo por atitudes tais, mas ele fazia-se surdo a tudo quanto contrariava a sua razão. Nunca foi pessoa de dar ouvidos a conselhos ou reparos.
Em tempos, teve desavenças com o padre da paróquia, só por este lhe lembrar que as telhas da igreja não lhe cairiam na cabeça (uma indirecta por ele ser pouco frequentar dos actos religiosos). Austrincliniano levou de tal forma a peito o reparo irónico que imediatamente pediu audiência ao bispo da diocese; queria a transferência do sacerdote.
No seu modo de vida, vendia galinhas poedeiras, criadas a grão e côdeas, para que pudessem chocar excelentes pintainhos. Ninguém poderia dizer que não era um homem sério! Chegou a também a vender galos cantadores, ovos de duas gemas e pegas de trave cortada (para que falassem). Neste caso, ele próprio fazia a cirurgia. Nas horas vagas capava porcos e cortava cabelos, mas apenas àqueles a quem considerava. Sempre foi amigo do seu amigo.
Quando as notícias da televisão o alertaram de que as vacas andavam a padecer de loucura (vacas loucas) e as galinhas começavam a constipar (gripe das aves) e era, por isso, perigoso comer a sua carne, ele, respeitando os seus cuidados, imediatamente deixou de dormir com a mulher (que passava o dia no galinheiro) e de comer carne de vaca.
Este respeitado senhor morreu repentinamente. Toda a gente se surpreendeu com o seu prematuro desaparecimento. Comentavam e tentavam adivinhar a causa que o liquidou…
Na autópsia verificou-se que tinha comido umas iscas de fígado com cirrose, dum porco de sua criação.
Tomava diariamente o pequeno almoço no “Café Rio Homem”, bem de frente ao meu local de trabalho: um pão, desprovido de qualquer recheio – um “papo seco” – e uma chávena de leite com um pouco de café expresso – uma “meia de leite”.
Durante anos, em todas as manhãs dos meus dias úteis, esperava, em pé junto ao balcão, para que me fosse servida esta dieta. A Dona Deolinda, proprietária do estabelecimento, e que quase sempre era quem me servia o pequeno almoço, perguntava-me, e repetia a pergunta com frequência, diria mesmo quase todos os dias: “o pão é simples?" Respondia-lhe: “sim, é simples”. Um dia, insistindo na pergunta: “o pão é simples?" - quase como que num automatismo do precisar de dizer qualquer coisa - respondi, talvez num dia de “ácido”: “se tiver um pão complicado, hoje aceito-o”. Claro que sorriu e sorri, e uma vez mais lá me serviu o “papo seco” e a “meia de leite”. Desde sempre - lembro também - nunca comi o pão completamente; deixava sempre um pedacinho dele. A Dona Deolinda sempre reparou no pedacinho de pão que eu insistia em deixar por comer. Vi-lhe muitas vezes na expressão a vontade de uma vez mais me perguntar… Um dia, enchendo-se de razão – até porque em causa poderia estar a qualidade do pão, na sua farinha ou fermentação - perguntou-me a Dona Deolinda: “por que nunca come o pão completamente, deixando sempre um pedacinho dele?” Apeteceu-me não responder, simplesmente ignorando a curiosidade da Dona Deolinda. Caramba, a gestão da minha dieta só a mim me competia! Mas não, satisfiz-lhe a curiosidade e respondi-lhe: “deixo um pedacinho de pão por aqueles que não têm diariamente, sequer, um pão fresco para comer”. Ela, imediatamente, exclamou; “mas ninguém vem aqui buscar esse pedacinho de sobra de pão!”. E eu respondi: “pois não, Dona Deolinda, mas agora, para além de mim, vai ficar também a pensar nisso. Não vai?!...”
Nota: Sei que a Dona Deolinda não me vai levar mal pela inconfidência.
-Senhora, porquê a pita de preço inflacionado? -Meu senhor, nem acredita se lhe disser que esta pita de tal mal que sofreu me deu tamanha despesa para agora a ter viçosa c´o diabo se benzeu do grão fino que comeu!