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POEMAS E RECADOS

poemas e textos editados e inéditos de JOÃO LUÍS DIAS

POEMAS E RECADOS

poemas e textos editados e inéditos de JOÃO LUÍS DIAS

PESSOAS

 

 

O pai faleceu-lhe no dia de Natal, às mãos dum familiar, num acidente de caça, era ele ainda muito pequenino. A mãe vestiu de luto a vida toda e ele bebeu a vida toda da tristeza dela. Faleceram agora, estes, com dois anos de distância; ela primeiro.
Chama-se Carlos Pereira, e foi o último romântico, conterrâneo, contemporâneo e amigo, que conheci.

Ouvia Gilbert Bécaud, Françoise Hardy, Creedence Clearwater Revival, José Mário Branco, Simone de Oliveira e tocava repetidamente para os amigos a “Sylvie" e as canções do Zeca e lia poemas de Florbela Espanca, José Régio e Vinicius de Moraes. Inspirava-o também as teorias de Karl Marx. Confessou-me um dia que tinha uma canção que guardava no peito desde 1969 “De Troubadour”, cantada pela holandeza Lenny Kuhr, que nesse ano ganhou o eurofestival.

O Carlos sabia de tudo e tudo sabia fazer bem. Cantava, tocava, falava, encenava teatro, escrevia como um poeta maior, pensava como um sonhador, também no fio da utopia, mas, fruto duma humildade tamanha, fazendo tudo bem demais, queria-se sempre no rol dos que acham que fazem pouco e de menos. Eu, confesso, nunca lhe aceitei ou admiti o “infra ego” que assumia; ele valia e valeu sempre, sim senhor, muito!
O Carlos foi e fez de tudo: soldado (oficial Ranger), bombeiro, actor, encenador, fundador e dirigente associativo, galã, conquistador de corações, de montanhas e de mares, administrativo de excelência, por função, boa pessoa, por vocação. O meu amigo Carlos foi o que eu jamais conseguirei ser e, confesso, nada me importaria de ser!
Escreveu no prefácio do meu primeiro livro que acreditava em mim, que eu não haveria de parar e que, consabidamente, “a montanha não tinha parido um rato”. Pois, ele sabia muito bem das “forças da montanha”; bastaria que se olhasse de cima a baixo…
O Carlos Pereira partiu, duma pesada pancada da vida. Partiu, mas deixou-nos mais “ricos” e enobrecidos, porque estivemos com ele, e por perto. 
Nunca parte completamente quem muito esteve. E o Carlos esteve. Se esteve!...

 

 

CARLOS PEREIRA.jpg

 

 

 

TERRAS DE BOURO (Minho)

 

Onde o gado come e medra nos baldios
no vai e vem dos dias
sem horas e sem relógio.
Onde a urze é brava
e mansas são as tardes.
Onde as pedras crescem
ao "vagar" dos dias sem complexos.
Onde o sol, no céu despido, castiga no verão
e onde no inverno gela o chão e veste de branco;
e vertem demais as fontes 
para espelhos de água que deslumbram!
Onde, em terreiro festivo de romaria
no asseio dos domingos
se dança no chão o "vira" e a "cana verde"
e se colhe o mel doce das flores a qualquer hora
coloridas e perfumadas na serra e nos beirais.

 

 

ASSIM

 

A boca

quero-a molhada

Os poros

quero-os a verter

O corpo todo

quero-o a explodir

em indecências de prazer

Os olhos

quero-os meigos

como que olhando

um mar de flores acesas...

 

 

 

PESSOAS

 

Nascemos no mesmo ano. Crescemos e brincamos no mesmo lugar. Nos primeiros ciclos de escola (primária e preparatória) fomos, inclusive, colegas de carteira, durante seis anos. Fomos da mesma turma, quer na primeira parte do ensino secundário, na vila onde nascemos e crescemos, quer mais tarde no liceu, na cidade. Depois, eu fui para o serviço militar e ele para uma aventura no mar; eu “obrigado” e ele atrás da “descoberta”. Ah, antes disto, ainda fomos colegas numa equipa de futebol, na cidade de Braga.
Chama-se Gil, filho da professora e eu João, filho da modista. Fomos, sem dúvida, dois grandes amigos, senão os maiores. “Finos como azeite”, dizia de nós a professora. Ao meu primeiro filhote dei, curiosamente, o nome de João Gil.
Seguimos destinos de vida profissional bem diferentes: ele ingressou na banca, de sucesso em sucesso e eu na romântica profissão de “registar” a vida e bens de pessoas. Eu escrevi ainda poemas e ele fez coisas melhores, tenho a certeza.
Depois, raramente nos encontrávamos. E passaram trinta anos. Mas o Gil nunca deixou, por um só não ano que fosse, onde quer que estivesse, por altura do meu aniversário, de me telefonar. Eu, menos atento a datas e celebrações, nunca lhe falei no dia do aniversário dele. Mas nunca esqueci o dia catorze de março, em que nasceu.
Num domingo, no fim da tarde, ao chegar a uma celebração de aniversário familiar – tipo “vamos passar, dar um beijinho e comer uma fatia de bolo”, nos arredores da cidade, surpreendentemente, encontro lá o Gil. Porquê o Gil lá?! Não perguntei, nem lhe perguntei o porquê dele ali, apenas o saudei pela agradável presença e reencontro de ambos.
Eu toquei viola e cantei. Ele olhava-me fixo, terno e triste e comia apenas umas bolachas de água e sal. No final, despedi-me dele com um abraço. Eu encaminhei-me para casa, na vila onde ambos nascemos. Ele encaminhou-se para a cidade e nunca mais foi visto com vida por ninguém.
Chegou a minha vez e por antecipação ao dia do seu aniversário, de dizer ao meu amigo Gil Mendes, por estas vias modernas de comunicar e onde quer que esteja, que não o esqueci, nem esquecerei…

 

João Luís

 

(Nota: foto colhida no “tal aniversário”)

 

ANIVERSÁRIO.jpg

 

 

O TEU NOME

 

Só para afastar esta tristeza

para iluminar meu coração
falta-me bem mais, tenho a certeza
do que este piano e uma canção.

Falta-me soltar na noite acesa
o nome que no peito me sufoca
e queima a minha boca...

Falta-me soltá-lo aos quatro ventos
para depois segui-lo por onde for
ou então dizê-lo assim baixinho
embalando com carinho
o teu nome, meu amor.

Porque todo ele é poesia
corre-me pelo peito como um rio
devolve aos meus olhos a alegria
deixa no meu corpo um arrepio
porque todo ele é melodia
porque todo ele é perfeição
é na luz e escuridão...

Falta-me dizê-lo lentamente
falta soletrá-lo devagar
ou então bebê-lo como um vinho
que dá força pró caminho
para quando a força faltar.

Porque todo ele é melodia
e porque todo ele é perfeição
é na luz que vem...

 

Miguel Gameiro

 

 

 

MANHÃ

  

Gosto de te saber ao acordar
no primeiro cheiro da manhã.
Gosto de ver os teus cabelos
despreocupados do sono.
Gosto dos teus olhos
antes da primeira água
sem cores que não as deles.
Gosto do teu arrepiar em sussuro
quando me sabes de arrepio no teu desejo
que nos entontece...
Gosto de ti, assim
tão bonita, tão nobre e tão mulher
a perguntar-me se chove ou se o sol já se abriu.
Gosto de ti, porque me ensinaste a gostar
precisamente numa das primeiras horas
duma manhã, bem cedo.