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POEMAS E RECADOS

poemas e textos editados e inéditos de JOÃO LUÍS DIAS

POEMAS E RECADOS

poemas e textos editados e inéditos de JOÃO LUÍS DIAS

COMO CHEGOU PITÁGORAS AO TEOREMA

Ora vamos lá então saber:

 

Reza a história que o filósofo Pitágoras não parava muito em casa e que Enusa, sua mulher, aproveitava a situação para copular com quatro soldados cadetes, que estavam acantonados ali perto.
Um dia em que Pitágoras voltou para casa mais cedo surpreendeu-os e matou os cinco, decidindo enterrá-los no seu jardim. Movido por alguma consideração que ainda tinha pela sua mulher, dividiu o terreno a meio e, numa das metades, enterrou-a. A outra metade foi dividida em quatro quadrados iguais, onde enterrou os soldados cadetes.
Desta forma, os quatro soldados cadetes ficaram a ocupar um espaço idêntico ao ocupado pela mulher.
No dia seguinte, Pitágoras subiu à montanha para meditar e, olhando de cima para o lugar onde os tinha enterrado a todos, teve uma revelação:
Era óbvio: o quadrado da puta Enusa era igual à soma dos quadrados dos cadetes.

_________

Já agora, o tal "Teorema de Pitágoras" (simplificado): "... o quadrado da medida do seu lado maior (hipotenusa) é igual à soma dos quadrados das medidas dos seus lados menores (catetos)."
_________

(Se me tivessem explicado isto assim na escola, provavelmente não teria ido para letras.)

 

 

COISAS QUE DIZEM

 

Os homens normais fazem prosa e os homens singulares fazem poesia”. Quem não concorda com o jornalista Costa Guimarães?

Na verdade, a criação poética é um mistério indecifrável e que não está ao alcance da maior parte do comum dos mortais. A arte da criação poética não se aprende nos livros e não pode ser ensinada. Não se conhecem receitas para ensinar a composição de um verso ou de um poema.

De facto, os poetas são nossos mestres, nós que somos homens vulgares, e bebem em fontes que nos estão vedadas a todos nós. E um grande poeta, de acordo com o escritor inglês Gilbert Chesterton, “existe para mostrar ao homem pequeno o quanto ele é grande”.

João Luís Dias é um grande poeta que deve orgulhar-nos a todos os amantes da língua portuguesa. Vou mais longe e ouso dizer que João Luís Dias é um «pastor do Ser», na tão bela expressão de Heidegger.

De facto, a sua sensibilidade estética revela-nos o “Ser” e o encanto do que, sem ele, para nós não seria. Bem haja ao nosso “Poeta da Montanha”, aos seus versos e ao seu grande amor pela poesia e pela cultura!

Obrigado, João Luís. Tão só: muito obrigado por partilhares connosco a tua inspiração, o teu talento e os teus poemas!

(...)

O futuro e a crítica encarregar-se-ão de provar que és o maior poeta da nossa geração."

 

JOSÉ GUIMARÃES ANTUNES (professor e diretor escolar)

 

 

DONA

 

Deixa-me chamar-te deusa,

dona do céu, do sol e do sul

e das tempestades que me transbordam dos olhos

em enxurradas de águas mornas de verão.

Deixa-me chamar-te musa,

senhora de oceanos de sal e descobertas,

para que a poesia ganhe outra grandeza,

como que igual à da beleza soberba que irradias...

 

 

COMO SE UMA PARÁBOLA

 

- Bom dia, sinto-o eufórico! Aconteceu-lhe alguma coisa?
Nada recebeu em resposta.
Passados uns dias:
- Bom dia. Quando na semana passada me perguntou se me tinha acontecido alguma coisa, tinha mesmo acontecido e, em consequência disso, hoje precisava da sua ajuda.
- Mas eu perguntei-lhe alguma coisa na semana passada? Acredite que nem do que jantei ontem à noite me lembro. E como o poderei ajudar, se o que lhe aconteceu já aconteceu há uma semana? Bem, será melhor passar uma esponja no passado. Bom dia.

 

 

TATUADA

 

Na areia molhada, na praia vazia, vai gravando o som do mar a cada onda que se lhe quebra por perto e se desfaz em espuma branca a seus pés. 

É outono, ausente de azul, cinzento, fim da manhã e Sheila insiste em permanecer ali, sem pressa e sem razão para a ter. Ninguém espera por ela e ela nunca esperou por ninguém. Está ali, ela apenas, despreocupada, sem relógio no pulso, sem relógios no céu. Está ali, só, e quer ficar assim naquela praia deserta, pisando a areia fria, olhando e gravando as ondas e o mar. Descalça, de calças içadas aos joelhos, sente o fresco no corpo, mantendo a febre no peito. 
Levantou-se cedo, madrugada ainda, seguiu a estrada do oeste e escolheu aquele lugar para acordar de si naquele dia. E, aquele dia, naquela manhã desprovida de azul e de sol, é tudo o que quer para si. Sheila quer sempre pouco, do pouco que aprendeu a querer e lhe souberam dar.
De flor tatuada, em dias que o tempo engoliu as horas, quando achada perdida, Sheila insiste em querer encontrar-se, como se a coragem a pedir-lhe. Obrigaram-na, feriram-lhe o ventre, abafaram-na, profanaram-na e ela nunca soube aprender a fugir e esconder-se. Guarda memórias, disfarça mágoas, sente a dor a cada adormecer e ainda não rasgou folha alguma do diário que lhe relatam momentos; poucos de silêncio e conforto, muitos de grito e cólera. 
Passados tantos anos, tantas noites silenciadas entre paredes sem cor, esta mulher, feita mulher sem tempo, há tanto tempo, criança ainda, sabe hoje, muito bem, de cada gesto que a não deixou adormecer, de cada dor que expulsou num grito, de cada momento que a não deixou crescer criança, brincar como criança. Sheila sabe bem de todas as palavras e de todos os nomes e de todas os momentos que o seu diário guarda e que tem nas mãos, ali, na praia vazia, de areia fria, de onde vai olhando e gravando as ondas e o mar. 
Passa já do meio dia e a neblina começa a levantar na praia e na praia fica apenas o cinzento, o frio, gaivotas soltas ao longe e ela, e uma vontade enorme de soltar das mãos o diário que segura. Sabe bem o que diz ele. Sabe muito bem tudo o que dela está nele, e pesa-lhe agora muito mais. 
De calças içadas aos joelhos, caminha pela areia fria até à água, às ondas, ao mar todo e solta nele o pedaço dorido de si...

 

 

CAIS DOS OLHOS

 

No cais dos teus olhos
há sempre ondas e pedras que se separam
e há mãos que enternecidas se enlaçam

No cais dos teus olhos
há sempre sal e areia que se unem
e há beijos que liquefeitos se repartem

No cais dos teus olhos
há sempre sol e preia-mar que se despedem
e há corpos que desabotoados se entregam

Há um cais que fica nos meus olhos
sempre que parto solitário dos teus…

 

 

EM JANEIRO, "AS JANEIRAS"

 

Este ano, uma vez mais
Aqui’stamos a cantar
Na tradição das "janeiras"
Par'a festa não faltar.

Trazemos nova alegria
Melodias, emoções
Nas palavras, novos versos
Rimas soltas nas canções.

Trazemos rios lavados
Espuma branca do mar
Folhas sopradas p’lo vento
Noites lindas de luar!

E no olhar, um sorriso
Em ambas as mãos a paz
Trazemos mais um amigo
Ninguém fica para trás.

Trazemos lírios do campo
Perfumados p’las manhãs
Urze colhida na serra
Favos de mel e maçãs.

... E no olhar um sorriso
Que não se quebra jamais
Nesta festa das janeiras
Desta vez, outra vez mais.