Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

POEMAS E RECADOS

poemas e textos editados e inéditos de JOÃO LUÍS DIAS

POEMAS E RECADOS

poemas e textos editados e inéditos de JOÃO LUÍS DIAS

VENTO

 

Não sei que vento me sopra

mas sinto o vento a soprar...

 

Se é vento norte, não sei

Sei que é vento, é vento forte

Vejo as folhas, tantas folhas

em rodopio agitar...

 

Não sei que vento me sopra

mas sinto o vento a soprar...

 

E as flores humedecidas

de perfume, ao sol raiar

gemem ao vento que sopra

ao mesmo vento que sinto

no meu peito a fustigar…

 

Não sei que vento me sopra

mas sinto o vento a soprar...

 

 

QUIETO

 

Olhei, quieto nos teus olhos

grávidos de aromas e candura
um ventre em flor a abrir na primavera.
Entontecido, porque embriagado
no campo limado e morno do entardecer
falei-te e disse quase nada
por não saber dizer mais do teu olhar.
E volta de ti um poema
um poema maior
declamado em sussurro
que me trespassa pelo peito
como flecha acesa de licor e lume
tombando-me ao crepúsculo dos teus olhos
no salpicar imenso das palavras.
E fico internado na metáfora enorme
que teceste lá dentro...

 

 

EXISTE

 

Existe um lugar
lá dentro
onde nos queremos eternos…
Existe um lugar 
lá dentro
onde as cinzas permanecem.
Existe um lugar 
lá dentro
onde somos para além dos gestos
do toque, do sol, da chuva, do vento
do cheiro das flores
do arco-íris, do sono.
Existe um lugar
lá dentro
bem no fundo, íntimo
onde existimos muito
e revelamos pouco.

 

 

ÍNTIMO

 

Quebrei no teu peito
um glaciar de silêncio.
Poisei-me na noite
e fiquei no teu colo
à espera, a querer saber de mim...
Falei-te intimamente
soletrando cada palavra 
rasgada à garganta
de coisas minhas, sérias
enormidades do coração.
Falei-te de tantas coisas 
que nunca ousara...
Abri o livro na página que interrompera
quando um dia, ao fechar dos olhos
acomodado num peito morno
me deixei adormecer...

 

 

 

APETECE-ME

 

Apetece-me
um lírio agreste
uma pedra da montanha
uma praia
um braço de mar
uma caravela
um vento a bombordo
um navio
a espuma branca
de uma onda inquieta.
Apetece-me
o sal, o sol, o luar
um perfume doce
salpicado no peito.
Apetece-me
o acordeão
no gemer sustenido dum acorde.
Apetece-me
o beijo dos pombos no chão da cidade
e olhar a árvore verde
que se agita na rua cinzenta.
Apetece-me
sei lá...
saber de Paris
do sul, do nascente
do polo norte,
do frio e do nevoeiro.
Apetece-me
saber de mim
e saber dos lugares que não sei.
Apetece-me…
tudo que me leve
às margens do sentir.